domingo, 15 de março de 2009

Argumentação e Retórica

Filosofia: Argumentação e Retórica
Objectivo(s) Específico(s):
1) Distinguir argumentação de demonstração
2) Relacionar as diferentes características da argumentação
3) Articular os meios de persuasão com os tipos de auditório

O homem, ser que vive em sociedade, discute com os seus semelhantes, tenta fazer com que partilhem alguns dos seus pontos de vista, que realizem certos actos. É bastante raro que tenha, como único recurso, a coerção. Em geral, procura persuadir e convencer. Nos casos em que os meios de prova consistem numa demonstração rigorosa, estes são estudados por uma ciência bem definida que é a lógica. Mas à medida que esta se desenvolvia, no sentido de uma ciência puramente formal e definia as condições que permitem uma dedução correcta, reconheceu-se que uma grande parte das provas utilizadas em direito, em moral, em filosofia, nos debates públicos e na vida quotidiana, não poderiam ser consideradas no âmbito estrito da lógica formal.
Assim, torna-se necessário fazer uma distinção entre argumentação e demonstração.
A argumentação ocorre quando o conhecimento não é do domínio do absoluto e do verdadeiro. Ocorre quando existe incerteza, dúvida, prós e contras determinada tese. Ocorre sobretudo quando toca o domínio das decisões humanas que remetem para visões do mundo particulares, hierarquias de valores variáveis. Pelo contrário, numa demonstração (matemática) os axiomas não estão em discussão; sejam eles considerados como evidentes, como verdadeiros ou como simples hipóteses, não há qualquer preocupação em saber se eles são, ou não, aceites pelo auditório.
Daí podermos dizer que o seu ponto de partida (Quando se aplica?) está as proposições discutíveis e que podem assumir distintas formas:
a) sempre que a tese (e princípios de onde se parte para elaborar uma argumentação) não é verdadeira.
b) sempre que uma tese (ideia, teoria, hipótese, afirmação) não é objecto de aceitação unânime ou universal;
c) Sempre que os temas (assuntos) se traduzem em problemas.
Em que domínios tem aplicação a argumentação?
a) Nos domínios da Ética, Política, Filosofia, Religião, Educação, Estética; Ciências humanas, ciências sociais, Economia, etc.
b) Sempre que se tomam decisões, com justificações fundamentadas, de foro pessoal e/ou social com características racionais.


Qual a lógica que desenvolve a argumentação?
A demonstração parte de premissas verdadeiras ou aceites por todos, sendo que a conclusão se tem de aceitar pela necessidade lógica do raciocínio, faz com que este tipo de raciocínio seja o dedutivo. Ora como o raciocínio dedutivo pode ser avaliado com exactidão na sua correcção (validade formal), não só é traduzível numa linguagem formal como pode ser avaliado do ponto de vista da lógica formal.
Pelo contrário a argumentação não partindo de teses que se possam classificar como verdadeiras e não sendo objecto de uma aceitação universal, os raciocínios que se desenvolvem para as argumentar e defender são raciocínios normalmente não dedutivos – indutivos; por exemplos; de autoridade; analógicos. Neste caso os raciocínios podendo ser escrutinados do ponto de vista da lógica formal, esta não é suficiente para fazer aceitar a tese. A lógica informal avalia os argumentos do ponto de vista não da sua validade formal, mas da sua pertinência, razoabilidade e aceitabilidade.
Podemos ainda adiantar que na demonstração e em consequência do que foi dito, da verdade das premissas se infere necessariamente a verdade da conclusão. Pelo contrário, na argumentação da verdade das premissas não se infere necessariamente a verdade da conclusão. Assim, na primeira a conclusão é constringente, na segunda a conclusão é verosímil ou aceitável. Podemos acrescentar, embora seja adiante mais esclarecido, que a verdade/falsidade são os valores em jogo na demonstração (pressupondo a validade formal do processo dedutivo que a executa). Por sua vez, na argumentação a verdade das premissas é um entre outros critérios de aceitação/plausibilidade da conclusão. Por isso podemos inferir que a argumentação não se traduz numa linguagem lógico-matemática.

A relação com o auditório
A demonstração parece ser auto-suficiente, ou seja ela vale por si mesmo, independentemente de quem a produz ou de quem a acolhe, mas é também independente do contexto em que se produz. Queremos com isto dizer que o seu valor mantém inalterável independente quem é o orador, de quem constitui o auditório e do contexto em que se produz. Por sua vez, a argumentação querendo conduzir à adesão e procedendo-se num campo de critérios múltiplos de aceitabilidade da tese, tem de se ter em conta o perfil de quem a produz e o tipo de auditório que se pretende persuadir, bem como o contexto em que ocorre. Por isso se diz que tem as características de pessoalidade e de contextualidade.
Cada pessoa ao argumentar manifesta um carácter único, desenvolve com o auditório uma relação própria e equaciona e diz os argumentos de forma singular, mas cada auditório é também singular. Assim, podemos dizer que na demonstração a prova é impessoal, e a sua validade não depende em nada da opinião: aquele que infere num determinado sistema só pode aceitar o resultado das suas deduções. Em contrapartida, toda a argumentação é pessoal, dirige-se a indivíduos em relação aos quais ela se esforça por obter a adesão, a qual é susceptível de ter uma intensidade variável.
O contexto tem igualmente influência pelo que deve ser tido em conta. Assim, enquanto uma demonstração se apresenta isolado de todo o contexto, uma argumentação é necessariamente situada. Para ser eficaz, esta exige um contacto entre sujeitos.

A pluralidade de critérios
Vimos já que ao nível da argumentação as razões para admitir ou rejeitar uma tese podem ser diversas. A verdade dos argumentos constitui unicamente um motivo de adesão ou de rejeição no meio de tantos outros: uma tese pode ser admitida ou afastada porque é ou não oportuna, socialmente útil, justa e equilibrada. Dito de outra forma, o auditório avalia as teses do orador tendo em conta diversos critérios. É nestes sentido que falamos de pluralidade de critérios: os vários auditórios consoante a sua natureza e tipo têm diferentes critérios valorativos, e dentro de um mesmo auditório as pessoas que o compõem podem ter pontos de vista e escalas valorativas diferentes. Ou seja, enquanto na demonstração a verdade (ou aceitação universal) e a necessidade lógica são os únicos critérios de aceitação de uma ideia ou teoria, já na argumentação existem múltiplos critérios que permitem aceitar uma tese. Uma tese pode ser aceite por ter argumentos persuasivos do ponto de vista económico, ou por que apela à justiça, ou por que apela à segurança e tranquilidade, ou por que apela à beleza, etc.

A intensidade da adesão à tese
Outra característica importante que permite distinguir e caracterizar a argumentação é o facto de uma tese antes aceite poder ser rejeitada ou vice-versa, e uma tese ter aceitação variável no tempo pelo mesmo auditório. É claro que na demonstração a adesão é total e constante.

A adaptação e maleabilidade da argumentação
Pelo que foi exposto, relativo à contextualidade, à pessoalidade, à pluralidade de critérios, à intensidade da adesão, é fácil inferir que o orador, antes de iniciar o seu discurso, deve ter do seu auditório uma ideia tanto quanto possível próxima da realidade, uma vez que um erro sobre este ponto pode ser fatal para o efeito que ele quer produzir; é em função do auditório que toda a argumentação se deve organizar, se esta quiser ser eficaz. Assim é indispensável ao orador conhecer o auditório sobre o qual quer exercer a acção. O orador que queira agir eficazmente pelo seu discurso deve adaptar-se ao seu auditório.



Em que consiste esta adaptação?
A contingência e a verosimilitude dos conhecimentos e teses defendidos na argumentação, bem como o facto desta se desenvolver num contexto particular e num domínio pessoal (onde têm influência as características individuais do orador e as características do auditório), faz com que o orador deva adaptar o seu discurso ao auditório (ás suas características intelectuais, socioprofissionais e culturais). A adaptação da argumentação ao auditório visa não só que os argumentos sejam entendíveis, mas sobretudo que “joguem” (vão ao encontro) dos critérios valorativos do auditório, para que este reconheça o valor da tese e a ela adira.
Com efeito, a finalidade da argumentação é transferir para as conclusões a adesão que é concedida às premissas. O orador só poderá partir de premissas que beneficiem de uma adesão suficiente: se esta adesão não for forte, a primeira preocupação daquele que quer persuadir deve ser a de a reforçar por todos os meios. Adaptar-se ao auditório é, sobretudo, escolher como premissas da argumentação as teses admitidas por este último.
É também de referir que o auditório tem legitimidade de contestação e só adere à tese que o orador apresenta se quiser. Tem o poder de utilizar a sua capacidade critica e questionadora, e de não se deixar influenciar se a tal não estiver disposto. A nossa capacidade de contestação tem de estar alerta para não nos deixarmos influenciar sem darmos conta. Numa situação argumentativa a relação que se estabelece entre orador e auditório é uma relação horizontal. Assim sendo, nenhum dos dois pólos se sobrepõe ao outro. Ambos têm legitimidade e a ambos é reconhecida competência.
Numa demonstração, os signos utilizados são, em princípio, desprovidos de qualquer ambiguidade, contrariamente à argumentação, que se desenrola numa língua natural, cuja ambiguidade não se encontra previamente excluída.

◙ Condições prévias (condições sine qua non) para que o discurso argumentativo o seja realmente:
- Validade formal dos argumentos;
- Validade informal dos argumentos;
- Princípios éticos: por ex. boa fé dos participantes: é necessário que o orador queira exercer, mediante o seu discurso, uma acção sobre o auditório, isto é, sobre o conjunto daqueles que se propõe influenciar. Por outro lado, é necessário que os auditores estejam dispostos a escutar e a sofrer a acção do orador.

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