domingo, 20 de março de 2011

Aristóteles - Ética

Excertos da História da Filosofia de Nicola Abbagnano - Vol. 1


O prazer está ligado à vida que segue a virtude. Com efeito, ela é a verdadeira actividade do homem; e toda a actividade é acompanhada e coroada pelo prazer (Et. Nic., X 4, 1174 b). Os bens exteriores como a riqueza, o poder ou a beleza, podem, com a sua presença, facilitar a vida virtuosa ou torná-la mais difícil com a sua ausência: mas não podem determiná-la. A virtude e a maldade só dependem dos homens. Certamente o homem não escolhe o fim, que está nele por natureza, como uma luz que o guia, a julgar rectamente e a escolher o verdadeiro bem (111, 5, 1113 b). Mas a virtude depende precisamente da escolha que se faz dos meios, com vista ao fim supremo. E esta escolha é livre porque depende exclusivamente do homem. Com efeito, Aristóteles chama livre àquele que tem em si o princípio dos seus actos ou é "princípio de si próprio" (111, 3, 1112 b, 15-16). O homem é verdadeiramente livre neste sentido: enquanto é "o princípio e o pai dos seus actos como é dos seus filhos"; e quer a virtude quer o vício são manifestações desta liberdade (111, 5, 1113 b, 10 segs.).

Dado que no homem, além da parte racional da alma, há a parte apetitiva que, ainda que carecendo de razão, pode ser dominada e dirigida pela razão, assim há duas virtudes fundamentais: a primeira consiste no próprio exercício da razão e por isso é chamada intelectiva ou racional (dianoetica); a outra consiste no domínio da razão sobre os impulsos sensíveis, determina os bons costumes (ethos-mos), e por isso se chama virtude moral (Ética).

A virtude moral consiste na "disposição (hexis, habitatus) de escolher o justo meio (mesótes, mediocritas), adequado à nossa natureza, tal como é determinado pela razão e como poderia determiná-lo o sábio". O justo meio exclui os dois extremos viciosos que pecam um por excesso, o outro por defeito. Esta capacidade de escolha é uma potência (dynamis) que se aperfeiçoa e revigora com o exercício. Os seus diferentes aspectos constituem as várias virtudes éticas. A coragem, que é o justo meio entre a cobardia e a temeridade, gira em torno do que se deve e do que se não deve temer. A temperança, que é o justo meio entre a intemperança e a insensibilidade, diz respeito ao uso moderado dos prazeres. A liberalidade, que é o justo meio entre a avareza e a prodigalidade, diz respeito ao uso prudente das riquezas. A magnanimidade, que é o justo meio entre a vaidade e a humildade, concerne a recta opinião de si próprio. A benignidade, que é o justo meio entre a irascibilidade e a indolência, concerne à ira.

A principal entre as virtudes éticas é a justiça, à qual Aristóteles dedica um livro inteiro da Etica (Nicom., V = Eudem., IV). No significado mais gemi, isto é, como conformidade com as leis, a justiça não é uma virtude particular, mas a virtude total e perfeita. Efectivamente, o homem que respeita todas as leis é o homem completamente virtuoso. Mas, além deste significado geral, a justiça tem um significado específico e é então ou distributiva ou comutativa. A justiça distributiva é aquela que preside à distribuição das honras ou do dinheiro ou dos outros bens que usam dividir-se entre aqueles que pertencem à mesma comunidade. Tais bens devem ser distribuídos segundo os méritos de cada um. Porque a justiça distributiva é semelhante a uma proporção geométrica, na qual as recompensas distribuídas a duas pessoas se relacionam entre si com os seus méritos respectivos. A justiça comutativa, ao contrário, ocupa-se dos contratos, que podem ser voluntários ou involuntários. São contratos voluntários a compra, a venda, o empréstimo, o depósito, o aluguer, etc. Dos contratos involuntários alguns são fraudulentos como o furto, o malefício, a traição, os falsos testemunhos; outros são violentos, como as pancadas, o assassínio, a rapina, a injúria etc. A justiça comutativa é correctiva: procura equilibrar as vantagens e as desvantagens entre os dois contratantes. Nos contratos involuntários, a pena infligida ao réu deve ser proporcionada com o dano por ele provocado. Esta justiça é pois semelhante a uma proporção aritmética (igualdade pura e simples).

O direito funda-se sobre a justiça. Aristóteles distingue o direito privado do direito público, que concerne à vida social dos homens no estado, e divide o direito público em direito legítimo (ou positivo), que é aquele estabelecido nos vários estados, e o direito natural que conserva o seu valor em qualquer lugar, mesmo que não esteja sancionado pelas leis. Distingue do direito a equidade, que é uma correcção da lei mediante o direito natural, necessária pelo facto de que nem sempre, na formulação das leis, é possível determinar todos os casos, pelo que a sua aplicação resultaria às vezes injusta.
(...)
Dado que a virtude como actividade própria do homem é a própria felicidade, a felicidade mais alta consistirá na virtude mais alta e a virtude mais alta é a teorética, que culmina na sabedoria.
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Platão não distinguia a sabedoria da prudência: com as duas palavras entendia a mesma coisa, isto é, a conduta racional da vida humana, especialmente da vida social (Rep. 428 b; 433 e). Aristóteles distingue e contrapõe as duas coisas. A prudência tem por objecto os assuntos humanos que são mutáveis e não podem ser incluídos entre as coisas muito elevadas; a sabedoria tem por objecto o ser necessário, que se liberta de todos os acontecimentos (Et. Nic., VI, 7, 1041 b. 11). Assim a distância que existe entre prudência e sabedoria é a mesma que ocorre entre o homem e o Deus.

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