quinta-feira, 15 de julho de 2010

Uma mente que Brilha - a entrevista


A sua mente só pode ser brilhante - uma beautiful mind, como reza o título original da aclamada biografia que a jornalista Sylvia Nasar publicou em 1998, e que por sua vez inspirou, em 2001, o filme homónimo de Ron Howard, com Russell Crowe no papel principal. Só assim é que se explica a extraordinária história de John Nash.

Nascido em 1928 nos Estados Unidos, Nash doutorou-se em 1950 pela Universidade de Princeton com uma tese de apenas 27 páginas que viria revolucionar a área matemática da Teoria dos Jogos. O "equilíbrio de Nash", que ele definiu nessa altura, faz hoje parte do vocabulário corrente desta disciplina científica.

A partir de finais dos anos 50, Nash desenvolveu esquizofrenia paranóide. A sua vida familiar e a sua carreira como matemático (já era considerado um génio por alguns) foram tragicamente truncadas. Perdeu o emprego, divorciou-se da mulher, Alicia, foi hospitalizado, medicado e tratado à força. Tornou-se um espectro de si próprio. Mesmo assim, durante os raros intervalos livres de delírio, continuou a fazer matemática de grande qualidade.

Nos anos 1970, Alicia voltou a acolhê-lo em sua casa (mais tarde voltariam a casar) e Nash regressou a Princeton. Passava o tempo a gatafunhar misteriosos códigos numéricos nos quadros e tornou-se conhecido como o "fantasma de Fine Hall" (o edifício do departamento de Matemática).

A partir de finais dos anos 1980, depois de 30 anos mergulhado nos delírios da esquizofrenia, começou a melhorar e em 1994 recebeu o Prémio Nobel da Economia.

Nash esteve esta semana em Portugal para participar na 24.ª Conferência Europeia de Investigação Operacional, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Na segunda-feira à tarde, deu uma conferência na Aula Magna e, no sábado anterior, falou ao P2 sobre o seu singular percurso de vida e o seu trabalho científico passado e actual.

Revê-se na personagem interpretada por Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante, de Ron Howard? A história do filme é próxima da verdade ou muito afastada dela?

O filme é uma ficção selectiva, mas não está completamente afastada da realidade. Alicia e eu fomos consultados - isso fazia, aliás, parte do contrato do filme. Portanto, eles tinham licença artística, mas isso não tornou a história completamente fictícia.

Não diria que me revejo nele. O filme não diz absolutamente nada sobre os meus anos de formação, antes da minha chegada à Universidade de Princeton.

O seu contributo para a Teoria dos Jogos foi muito importante. O que é a Teoria dos Jogos?

A expressão "teoria dos jogos" é uma descrição popular. A mesma área científica poderia ter tido outro nome. A Teoria dos Jogos foi desenvolvida com a publicação de um livro [em 1947], por John von Neumann e Oskar Morgenstern, intitulado em inglês Theory of Games and Economic Behavior (Teoria dos jogos e Comportamento Económico), que se tornou muito influente. Mas Von Neumann já tinha publicado na Alemanha em 1928 - o ano em que eu nasci - um artigo intitulado Zur Theorie der Gesellschaftsspiele, que significa "jogos sociais". E antes disso, tinha sido publicado em França um artigo com théorie du jeu no título. Von Neumann também publicou uma nota [em 1928] na Comptes Rendus de l"Académie des Sciences onde falava de théorie des jeux. Foi assim que o nome ficou.

É algo que permite a modelização matemática de comportamentos sociais e económicos?

Sim, mas com a ênfase nas escolhas alternativas e na ideia de estratégia - uma palavra de origem grega que significa a escolha de uma política. Há estratégia no xadrez e noutros jogos. Pode haver uma estratégia no futebol.

Só que, aí, as estratégias têm como objectivo fazer com que o outro perca.

É o que chamamos um jogo de "soma zero". Todos os jogos de entretenimento e desportivos são desse tipo. Também podem ser de "soma constante", com um certo benefício para ambos os lados, como a final de um Mundial de futebol - mas onde o vencedor beneficia mais do que o outro.

E também há jogos onde todos perdem...

Sim, são os jogos de soma negativa. Por exemplo, podemos imaginar uma situação em que uma prisão obriga prisioneiros a entrar num duelo onde apenas um irá sobreviver.

No filme, há uma cena onde a sua personagem está à procura da solução para o problema dos jogos ditos não-cooperativos. Estão num bar, há um grupo de raparigas e o protagonista percebe de repente que...

Deixe-me interromper. A teoria dos jogos no filme não está nada bem apresentada. O argumentista não era um perito em teoria dos jogos.

O seu contributo para a teoria dos jogos é hoje conhecido como "equilíbrio de Nash" e mudou a maneira de fazer teoria dos jogos aplicada à economia. O que é o equilíbrio de Nash?

O equilíbrio de Nash define-se em termos de estratégias, do conceito de estratégia do jogador. Temos dois, três ou mais jogadores. Cada jogador tem um número finito de acções ou estratégias "puras" pelas quais pode optar, fazendo isto ou aquilo. Mas também existem estratégias mistas, que são planos baseados numa mistura de estratégias puras, em que uma certa probabilidade de ser escolhida é atribuída a cada estratégia pura.

Assim, se um jogador tiver três escolhas possíveis, três acções puras entre as quais optar, poderá optar por uma delas com uma probabilidade de 20 por cento, pela segunda com 50 por cento e pela terceira com 30 por cento, o que dá 100 por cento. E o conjunto das estratégias mistas dos jogadores apresenta um equilíbrio quando nenhum dos jogadores pode mudar de estratégia e aumentar os seus benefícios. O benefício tem de ser calculável a partir da estratégia mista em questão. Calcula-se o benefício previsto para todos os jogadores e cada jogador olha para a sua fatia.

Quando duas empresas competem pelo mesmo mercado, usam a sua teoria para ver se compensa produzir mais ou menos, ou subir ou descer os preços?

Essa é considerada uma óptima área de aplicação da teoria. Existe uma abordagem clássica que é equivalente a uma análise de teoria dos jogos em certos casos especiais. É o chamado equilíbrio de Cournot. É um conceito certamente mais antigo do que o equilíbrio de Nash, mas é um caso particular. Augustin Cournot, economista francês do século XIX, considerou o caso em que duas empresas produziriam algo para o mesmo mercado - dois grandes produtores de leite, por exemplo.

Se uma dada quantidade de leite é produzida, pode ser vendida por um certo preço; se produzirem mais, não vão conseguir vender o leite por um preço tão bom. Por outro lado, se produzirem menos, o preço sobe, mas também há um limite. E se produzirem muito pouco, pode ser preciso importar leite.

Pode então existir um equilíbrio de Cournot em que cada um deles produz uma certa quantidade do produto - e em que nenhum deles pode produzir mais ou menos e obter uma vantagem. Mas, aqui, trata-se de um jogo não-cooperativo com dois jogadores onde o equilíbrio reside numa estratégia pura.
http://jornal.publico.pt/noticia/15-07-2010/a-minha-mente-tem--a-historia--que-tem-19827222.htm

Sem comentários:

Enviar um comentário