segunda-feira, 30 de maio de 2011

Hume - sentimento, gosto e padrão de gosto

David Hume

O sentimento está sempre certo –porque o sentimento não tem outro referente senão ele mesmo e é sempre real, quando alguém tem consciência dele. Mas nem todas as determinações do entendimento são certas, porque têm como referente algumas coisas para além delas mesmas, a saber, os factos reais e nem sempre são conformes a esse padrão. Entre mil e uma opiniões que pessoas diferentes podem ter a respeito do mesmo assunto, há uma e apenas uma que é justa e verdadeira e a única dificuldade é encontrá-la e confirmá-la. Pelo contrário, os mil e um sentimentos despertados pelo mesmo objecto são todos certos, porque nenhum sentimento representa o que realmente está no objecto. Ele limita-se a observar uma certa conformidade ou relação entre o objecto e os órgãos ou faculdades do espírito e, se essa conformidade realmente não existisse, o sentimento jamais poderia ter ocorrido. A beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que a contempla e cada espírito percebe uma beleza diferente. É possível até uma pessoa encontrar deformidade onde uma outra vê apenas beleza e qualquer indivíduo deve concordar com o seu próprio sentimento, sem ter a pretensão de regular o dos outros.
(...)
Embora as pessoas com gosto refinado sejam raras, facilmente as distinguimos em sociedade pela solidez do seu entendimento e pela superioridade das suas faculdades relativamente ao resto da humanidade. O ascendente que adquirem faz prevalecer a viva aprovação com que acolhem quaisquer obras de génio e torna-a geralmente predominante. Entregues a si próprios, muitos homens têm apenas uma vaga e duvidosa percepção da beleza, mas ainda assim são capazes de se deleitar com qualquer obra de qualidade que se lhes aponte. Todo aquele que se converte à admiração do verdadeiro poeta ou orador é a causa de uma nova conversão. E embora os preconceitos possam prevalecer durante algum tempo, nunca se unem para rivalizar com o verdadeiro génio – acabam por ceder perante a força da natureza e o justo sentimento. Assim, embora uma nação civilizada possa enganar-se facilmente ao escolher o seu filósofo de eleição, nunca erra prolongadamente na sua afeição por um autor épico ou trágico favorito.
Mas apesar dos nossos esforços em fixar um padrão do gosto e em reconciliar as discordantes impressões das pessoas, restam ainda duas fontes de diversidade, as quais não são suficientes para eliminar todas as fronteiras entre beleza e deformidade, embora sirvam frequentemente para produzir diferenças no grau de aprovação ou censura. Uma reside nas diferenças de humor de cada pessoa; a outra nos costumes e opiniões próprios da nossa época e do nosso país.
David Hume, Do Padrão do Gosto

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