segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

os Estrangeiros

Os estrangeiros
Por Pedro Lomba
14/01/2010



Em Itália quem desce para sul em direcção a Reggio Calabria vai certamente com a intenção de passar o estreito de Messina e descobrir a Sicília de Lampedusa e Visconti. Boa sorte para ele, porque primeiro é preciso passar por Reggio Calabria, onde não há nada a não ser máfia, decadência e fábricas desactivadas. Agora parece haver mais do que isso. Desde há dias, têm noticiado os jornais que as ruas de Reggio Calabria estão em ambiente de batalha campal. Milhares de imigrantes africanos revoltaram-se contra as condições em que vivem e o tratamento a que se dizem sujeitos. Em resposta aos actos de violência praticados por esses imigrantes, formaram-se milícias de calabreses que também se entrincheiraram nas ruas abrindo "fogo" contra os africanos.

A tensão com os imigrantes tem sido permanente em Itália. Há dois anos, não eram os africanos mas os romenos o principal foco de conflito no que respeita à imigração. Alguns nacionais da Roménia tinham acabado de cometer crimes de sangue: uma rapariga de Roma por exemplo fora violada e assassinada. E o sentimento anti-romeno, que já era visível, explodiu.

Foi mais ou menos por essa altura que eu vivi em Itália durante um certo tempo. Bastava que um romeno entrasse num café para o dono arregaçar o olho. "Em Itália quem consome, paga", disse um desses donos à minha frente, enquanto um romeno argumentava inutilmente que tinha feito as duas coisas como devia.

E foi mais ou menos também por essa altura que Romano Prodi, então primeiro-ministro, deu uma notável entrevista ao jornal Financial Times para explicar as mudanças que ao tempo estavam a ser preparadas para endurecer a luta contra a imigração ilegal.

Esta semana, o ministro do Interior do Governo de Berlusconi avisou que "a Itália tem sido nos últimos anos demasiado tolerante com a imigração clandestina". Mas naquela entrevista Prodi fez uma análise sociológica que me ficou na memória. Explicou ele que nos últimos anos os três milhões de imigrantes que entraram em território italiano causaram um impacto social e psicológico incrível. Ninguém antecipou os efeitos desse movimento massivo. Relembrou que durante décadas muitos italianos não estavam habituados a ver e viver juntamente com outros estrangeiros. Ele próprio lembrava-se do tempo, quando pequeno, em que não conhecia nenhum estrangeiro. Para muitos italianos esta era uma nova experiência - a de ver e receber estrangeiros que não fossem apenas turistas.

Na verdade, os italianos são muitas vezes descritos como uma sociedade em "pequena escala". Cada italiano faz questão de habitar mentalmente num tempo e espaço restrito. Há nisso toda uma atitude que alguns definem como campanilismo: quando a identidade cultural, social e política de cada um reside não na nação ou no Estado, mas na mesma igreja e no mesmo quarteirão por onde já transitaram gerações de famílias inteiras.

Não sei se Prodi confirmaria, mas este localismo dos italianos tem obviamente consequências: torna-os mais resistentes a quem vem de fora. A ideia de que uma população, ou boa parte dela, pode tolerar pior os estrangeiros porque nunca se deparou ou aprendeu a viver com eles pode parecer-nos abstrusa numa época de livre circulação de pessoas e intensa globalização cultural. Mas em Itália, como está à vista pelos incidentes da Calábria, não é.

Quando vivi em Itália tinha um amigo paquistanês que geria uma loja de Internet. Todos os meses era visitado pela polícia para averiguar se ele cumpria a lei. Nessa altura eu estava interessado em perceber por que é que a mesma palavra - hostis, em latim - possui vários significados diferentes: hóspede, estrangeiro e inimigo. Creio que percebi. Quem disse que são assim tão diferentes? Jurista

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