quinta-feira, 16 de maio de 2013

O problema do Método Indutivo - 4


“De acordo com uma tese amplamente aceite - e a que aqui nos oporemos —, as ciências empíricas podem caracterizar-se pelo facto de empregarem os chamados métodos indutivos. Segundo esta perspectiva, a Iógica da investigação científica seria idêntica à lógica indutiva, ou seja, à análise lógica de tais métodos indutivos.
É habitual chamar «indutiva» a uma inferência quando passa de afirmações singulares (por vezes chamadas «particulares»), tais como descrições dos resultados de observações ou de experiências, para afirmações universais, tais como hipóteses e teorias.
Ora bem, de um ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que a inferência de afirmações universais a partir de afirmações particulares, por mais elevado que seja o seu número, esteja justificada, pois qualquer conclusão a que cheguemos por esta via, corre sempre o risco de um dia se tornar falsa: seja qual for o número de exemplares de cisnes brancos que tenhamos observado, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes sejam brancos.
A questão de saber se as inferências indutivas estão justificadas, ou sob que condições o estão, é conhecida como o problema da indução. 0 problema da indução pode também ser formulado como a questão de saber como estabelecer a verdade de afirmações universais baseadas na experiência, como as hipóteses e os sistemas teóricos das ciências empíricas. Pois muitas pessoas acreditam que a verdade destas afirmações universais é “conhecida por experiência”; contudo, é claro que a informação obtida de uma experiência - uma observação ou o resultado da experimentação - pode, em primeiro lugar, ser apenas uma afirmação singular e nunca uma universal. Por isso, aqueles que dizem que sabemos pela experiência a verdade de uma afirmação universal, habitualmente querem dizer que a verdade desta afirmação universal pode de algum modo ser reduzida à verdade de outras afirmações, as quais são singulares, e que sabemos que estas afirmações singulares são verdadeiras pela experiência; o que equivale a dizer que a afirmação universal se baseia na inferência indutiva. Assim, perguntar se há leis naturais que sabemos serem verdadeiras parece ser apenas outra maneira de perguntar se as inferências indutivas estão logicamente justificadas.
Mas se queremos encontrar uma maneira de justificar as inferências indutivas, temos antes de mais de tentar estabelecer um princípio de indução. Um princípio de indução seria uma afirmação com a ajuda da qual poderíamos apresentar as ditas inferências numa forma logicamente aceitável. Aos olhos dos partidários da lógica indutiva um princípio de indução é da maior importância para o método científico: «[...] este principio, diz Reichenbach, determina a verdade das teorias cientificas. Eliminá-lo da ciência significaria nada menos que privá-la do poder de decidir sobre a verdade ou falsidade das suas teorias. É evidente que sem ele a ciência perderia o direito de distinguir as suas teorias das criações fantasiosas e arbitrárias da imaginação dos poetas» (Erkenntnis 1,1930, p. 186). [...]
Alguns dos que acreditam na lógica indutiva precipitam-se, juntamente com Reichenbach, a assinalar que «o principio da indução é aceite sem reservas pela totalidade da ciência e que nenhuma pessoa pode, tão pouco, duvidar seriamente dele na sua vida quotidiana» (Ibidem, p. 67). Supondo, não obstante, que se fosse assim - pois, afinal de contas, «a totalidade da ciência» pode laborar em erro - eu continuaria a defender que o principio da indução é supérfluo e que leva forçosamente a inconsistências lógicas.
Que facilmente podem surgir inconsistências em conexão com o princípio da indução deveria ser claro a partir de Hume; e também que só com muita dificuldade podem ser evitadas, se é o que o podem. Pois o princípio da indução tem de ser, por sua vez, uma afirmação universal. Assim, se tentarmos encarar a sua verdade como algo que é conhecido com base na experiência, então os mesmos problemas que motivaram a sua introdução surgirão outra vez. Para o justificar, temos de empregar inferências indutivas; e para justificar estas últimas deveremos ter de pressupor um princípio indutivo de uma ordem superior; e assim por diante. Assim, a tentativa de basear o princípio da indução na experiência não dá em nada, pois tem de conduzir a uma regressão infinita. [...]


Karl Popper (2005), A lógica da pesquisa científica. Lisboa: Edições 70, pp. 27-29, 33-34

O método das Conjecturas e Refutações - Método Hipotético-dedutivo e a sua natureza falsificacionista

A descoberta científica é governada por uma lógica invariável que inclui três momentos sucessivos:

(…) Num primeiro tempo, o homem de ciência constrói conjecturas, hipóteses ou teorias, que são outras tantas tentativas com vista a resolver os inúmeros problemas que a complexidade do universo lhe sugere.

(…) Num segundo tempo, o homem de ciência submete as suas tentativas ou conjecturas a testes apertados (testabilidade) e sistemáticos que se revelarão tanto mais fecundos quanto conseguirem “refutar” ou declarar falsas essas conjecturas ou teorias (falsificabilidade)
Por fim, a aplicação do método de conjectura e falsificação implica, por parte do homem de ciência uma renúncia às certezas individuais e uma aceitação de que as suas próprias conjecturas sejam publicamente discutidas e combatidas no seio da comunidade científica (intersubjectividade).

Segundo Popper, estes três momentos constituem o horizonte inultrapassável da criação científica (…). Efectivamente, o critério de cientificidade de uma teoria reside na possibilidade de a invalidar, de a refutar ou ainda de a testar: refutação, eis a palavra-chave, eis o fulcro da teoria popperiana da descoberta científica. (…)

Isto significa que uma teoria nunca é mais do que uma hipótese, uma conjectura que tem em vista compreender o mundo, nunca pode ser “verificada” mas pode ser corroborada. A teoria será considerada corroborada se resistir com sucesso aos testes mais severos e não possa ser substituída por uma teoria rival (…). Assim, uma hipótese corroborada é uma hipótese aceite provisoriamente pela comunidade cientifica, mas cujo destino é ser refutada mais tarde.

Efectivamente, para Popper, as teorias aceites pela comunidade científica nunca são teorias verdadeiras mas apenas teorias que ainda não são falsas, (sendo que a verdade apenas pode ser verosímil).

Adaptado de J. Baudoin (1989) Karl Popper, Presses Universitaires de France

O verificacionismo e o falsificacionismo

 A perspectiva verificacionista da ciência é, de certo modo, algo como isto: de um modo ideal, a ciência consta de todos os enunciados verdadeiros. Como nós não os conhecemos todos, tem, pelo menos, de constar de todos os que nós tenhamos verificado (ou talvez confirmado, ou demonstrado serem prováveis). Assim, os enunciados existenciais verificados deveriam, por esta razão, pertencer à ciência.

A atitude do falsificacionismo é diferente. Para ele, a ciência consiste em arriscarem-se hipóteses explicativas – arriscar-se no sentido em que essas hipóteses afirmam tanto que facilmente se podem revelar como falsas. E dá o seu melhor para as criticar, esperando detectar e eliminar candidatos defeituosos ao estatuto da teoria explicativa, esperando também, através disso, alcançar mais compreensão.

K. Popper, O Realismo e o Objectivo da Ciência, Lisboa, Publ. D. Quixote, 1997



sexta-feira, 10 de maio de 2013

John Searle - A economia como Ciência Social e natureza histórica e psicológica da decisão económica

A economia, os contextos, os estados mentais e as intencionalidades dos agentes

 A economia ocupa-se da produção e distribuição de bens e serviços. Note-se que o economista em acção pode simplesmente tomar como garantida a intencionalidade. Pressupõe que os empresários tentam fazer dinheiro e que os consumidores preferirão sai-se melhor do que pior. E as «leis da economia», em seguida, referem resultados ou consequências sistemáticas de tais suposições. Dadas certas suposições, o economista pode deduzir que empresários sensatos venderão onde o seu custo marginal igual o rendimento marginal. Observe-se agora que a lei não prediz que o homem de negócios faça a si mesmo esta pergunta: «Irei eu vender onde o custo marginal iguala o rendimento marginal?» Não, a lei não refere o conteúdo da intencionalidade individual. Elabora antes consequências de tal intencionalidade. A teoria da forma em microeconomia elabora consequências de certos pressupostos acerca dos desejos e possibilidades dos consumidores e empresas empenhadas na compra, produção e venda. A macroeconomia elabora as consequências de tais pressupostos para nações e sociedades inteiras. Mas o economista não tem que preocupar-se com questões como esta: «Que é o dinheiro realmente?» ou «O que é realmente um desejo?» Se for muito sofisticado na economia do bem-estar, poderá preocupar-se com o carácter exacto dos desejos dos empresários e consumidores. Mas, mesmo num caso assim, a parte sistemática da sua disciplina consiste em elaborar as consequências dos factos a propósito da intencionalidade.
Visto que a economia se funda, não em factos sistemáticos acerca das propriedades físicas, como a estrutura molecular, mas antes em factos relacionados com a intencionalidade humana, com desejos, práticas, estados de tecnologia e estados de conhecimento, segue-se que a economia não pode imunizar-se à história ou ao contexto. A economia, enquanto ciência, pressupõe certos factos históricos acerca das pessoas e das sociedades que em si mesmas não são parte da economia. E quando estes factos mudam, a economia deve também mudar.”
Jonh Searle, 1984