quarta-feira, 24 de abril de 2013

Declaração universal sobre a diversidade cultural


Declaração Universal Sobre A Diversidade Cultural

  • Adoptada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura na sua 31.ª sessão, a 2 de Novembro de 2001.
Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural
A Conferência Geral,
Empenhada na plena realização dos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e em outros instrumentos jurídicos universalmente reconhecidos, como os dois Pactos Internacionais de 1966 relativos, respectivamente, aos direitos civis e políticos e aos direitos económicos, sociais e culturais,
Recordando que o Preâmbulo da Constituição da UNESCO afirma que “a difusão da cultura e a educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis à dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas as nações devem cumprir com espírito de assistência mútua”,
Recordando ainda o artigo 1.º da Constituição, que atribui à UNESCO, entre outras funções, a de “recomendar a celebração dos acordos internacionais que entender convenientes para promover a livre circulação de ideias, tanto pela palavra como pela imagem”,
Referindo as disposições relativas à diversidade cultural e ao exercício de direitos culturais constantes dos instrumentos internacionais adoptados pela UNESCO* ,
Reafirmando que a cultura deve ser vista como um conjunto de características espirituais, materiais, intelectuais e emocionais diferenciadoras de uma sociedade ou de um grupo social, e que compreende, para além da arte e da literatura, os estilos de vida, as formas de viver em conjunto, os sistemas de valores, as tradições e as convicções,*
Constatando que a cultura está no centro dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de uma economia baseada no conhecimento,
Afirmando que o respeito pela diversidade das culturas, a tolerância, o diálogo e a cooperação, num clima de confiança e compreensão recíproca, são algumas das principais garantias da paz e da segurança internacionais,
Aspirando a uma maior solidariedade baseada no reconhecimento da diversidade cultural, na consciência da unidade da espécie humana e no desenvolvimento de intercâmbios culturais,
Considerando que o processo de globalização, facilitado pelo rápido desenvolvimento de novas tecnologias da informação e comunicação, embora represente um desafio à diversidade cultural, cria condições para a renovação do diálogo entre culturas e civilizações,
Consciente do mandato específico que foi confiado à UNESCO, no âmbito do sistema das Nações Unidas, para garantir a preservação e a promoção da fecunda diversidade das culturas,
Proclama os seguintes princípios e adopta a presente Declaração:

IDENTIDADE, DIVERSIDADE E PLURALISMO
Artigo 1.º
Diversidade cultural: um património comum da Humanidade
A cultura assume diversas formas ao longo do tempo e do espaço. Esta diversidade está inscrita no carácter único e na pluralidade das identidades dos grupos e das sociedades que formam a Humanidade. Enquanto fonte de intercâmbios, inovação e criatividade, a diversidade cultural é tão necessária para a Humanidade como a biodiversidade o é para a natureza. Neste sentido, constitui o património comum da Humanidade e deve ser reconhecida e afirmada em benefício das gerações presentes e futuras.
Artigo 2.º
Da diversidade cultural ao pluralismo cultural
Nas nossas sociedades cada vez mais diversas, é fundamental garantir uma interacção harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais plurais, variadas e dinâmicas, bem como a sua vontade de viver em conjunto. Políticas visando a inclusão e participação de todos os cidadãos são garantias de coesão social, de vitalidade da sociedade civil e de paz. Assim definido, o pluralismo cultural dá expressão política à realidade da diversidade cultural. Sendo indissociável de um ambiente democrático, o pluralismo cultural favorece os intercâmbios culturais e o florescimento das capacidades criativas que suportam a vida pública.
Artigo 3.º
Diversidade cultural como um factor de desenvolvimento
A diversidade cultural alarga o leque de opções à disposição de todos; é uma das fontes do desenvolvimento, entendido não apenas em termos de crescimento económico, mas também como meio para alcançar uma existência intelectual, emocional, moral e espiritual mais satisfatória.

DIVERSIDADE CULTURAL E DIREITOS HUMANOS
Artigo 4.º
Os direitos humanos como garantias da diversidade cultural
A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, indissociável do respeito pelos direitos humanos. Implica um compromisso para com os direitos humanos e liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas pertencentes a minorias e dos povos indígenas. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para justificar a violação dos direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para restringir o seu âmbito.
Artigo 5.º
Os direitos culturais como enquadramento propício à diversidade cultural
Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, os quais são universais, indivisíveis e interdependentes. O florescimento da diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais conforme definidos no artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e nos artigos 13.º e 15.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Todas as pessoas devem assim ter a possibilidade de se exprimir e de criar e divulgar o seu trabalho numa língua da sua escolha, e particularmente na sua língua materna; todas as pessoas devem ter direito a uma educação e a uma formação de qualidade, que respeitem plenamente a sua identidade cultural; e todas as pessoas têm o direito de participar na vida cultural da sua escolha e de realizar as suas próprias práticas culturais, sem prejuízo do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Artigo 6.º
No sentido do acesso de todos à diversidade cultural
Ao mesmo tempo que se garante o livre fluxo de ideias pela palavra e pela imagem, deverá ter-se o cuidado de assegurar que todas as culturas se possam exprimir e dar-se a conhecer. A liberdade de expressão, o pluralismo dos meios de comunicação social, o multilinguismo, a igualdade de acesso às artes e ao conhecimento científico e tecnológico, nomeadamente sob forma digital, e a possibilidade de acesso de todas as culturas aos meios de expressão e divulgação, são garantias da diversidade cultural.

DIVERSIDADE CULTURAL E CRIATIVIDADE
Artigo 7.º
O património cultural como fonte da criatividade
A criação tem as suas raízes na tradição cultural, mas floresce em contacto com outras culturas. Por esta razão, o património, sob todas as suas formas, deverá ser preservado, valorizado e transmitido às gerações futuras enquanto testemunho da experiência e das aspirações humanas, de forma a fomentar a criatividade em toda a sua diversidade e a inspirar um diálogo genuíno entre as culturas.
Artigo 8.º
Bens e serviços culturais: produtos diferentes de todos os outros
Face às actuais transformações de carácter económico e tecnológico, que abrem amplas perspectivas de criação e inovação, deverá prestar-se particular atenção à diversidade da oferta criativa, ao devido reconhecimento dos direitos dos autores e artistas e à especificidade dos bens e serviços culturais que, enquanto portadores de identidade, valores e sentido, não podem ser tratados como meros produtos ou bens de consumo.
Artigo 9.º
As políticas culturais como catalisadores da criatividade
Ao mesmo tempo que asseguram a livre circulação das ideias e dos trabalhos, as políticas culturais deverão criar condições favoráveis à produção e difusão de bens e serviços culturais diversificados através de indústrias culturais com meios para se afirmar a nível local e global. Incumbe a cada Estado, tendo devidamente em conta as suas obrigações internacionais, definir a sua política cultural e executá-la através dos meios que considere adequados, seja prestando apoio operacional seja procedendo a uma regulamentação apropriada.

DIVERSIDADE CULTURAL E SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL
Artigo 10.º
Reforço das capacidades de criação e divulgação a nível mundial
Face aos actuais desequilíbrios nos fluxos e intercâmbios de bens e serviços culturais a nível mundial, é necessário reforçar a cooperação e solidariedade internacionais para que todos os países, especialmente países em vias de desenvolvimento e países em transição, possam estabelecer indústrias culturais viáveis e competitivas a nível nacional e internacional.
Artigo 11.º
Estabelecimento de parcerias entre o sector público, o sector privado e a sociedade civil
As forças de mercado, só por si, não podem garantir a preservação e promoção da diversidade cultural, que é fundamental para um desenvolvimento humano sustentável. Desta perspectiva, deverá ser reafirmada a preponderância das políticas públicas, em parceria com o sector privado e a sociedade civil.
Artigo 12.º
O papel da UNESCO
A UNESCO, em virtude do seu mandato e das suas funções, tem as seguintes responsabilidades:
a) Promover a incorporação dos princípios enunciados na presente Declaração nas estratégias de desenvolvimento delineadas no seio dos vários organismos intergovernamentais;
b) Servir como entidade de referência e fórum onde os Estados, as organizações internacionais governamentais e não governamentais, a sociedade civil e o sector privado possam juntar-se para a elaboração conjunta de conceitos, objectivos e políticas em prol da diversidade cultural;
c) Prosseguir as suas actividades de definição normativa, sensibilização e desenvolvimento de capacidades nas áreas relacionadas com a presente Declaração que se inscrevam nas suas esferas de competência;
d) Facilitar a aplicação do Plano de Acção, cujas linhas principais constam em anexo à presente Declaração.

* Entre os quais, e nomeadamente, o Acordo de Florença de 1950 e seu Protocolo de Nairobi de 1976, a Convenção Universal sobre Direito de Autor, de 1952, a Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional, de 1966, a Convenção Relativa às Medidas a Adoptar para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência Ilícitas da Propriedade de Bens Culturais (1970), a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 1972, a Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, de 1978, a Recomendação relativa ao Estatuto do Artista, de 1980, e a Recomendação sobre a Preservação da Cultura Tradicional e Popular, de 1989.
* Esta definição está na linha das conclusões da Conferência Mundial sobre Políticas Culturais (MONDIACULT, Cidade do México, 1982), da Comissão Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento (A Nossa Diversidade Criativa, 1995) e da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento (Estocolmo, 1998).

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