A palavra ‘acção’ emprega-se às vezes para falar de
animais não humanos (diz-se que a acção das cigarras é benéfica para a
agricultura) ou, inclusive, de objectos inanimados (diz-se que a gravitação é
uma forma de acção à distância ou que a toda a acção exercida sobre um corpo
corresponde uma acção igual de sentido contrário). Mas sobretudo usamos a
palavra ‘acção’ para nos referirmos ao que fazem os humanos. Aqui só nos
interessa este tipo de acção, acção humana.
As nossas acções são (algumas das) coisas que
fazemos. Na realidade o verbo ‘fazer’ cobre um campo semântico bastante mais
amplo que o substantivo ‘acção’. O latim distingue o agere do facere (aos quais corresponde em português
agir e fazer). Ao substantivo latino actio,
derivado de agere,
corresponde o substantivo acção. Assim, até de um ponto de vista etimológico,
‘acção’ só carreia a carga semântica de ‘agir’ e não propriamente de ‘fazer’.
Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta,
mas nem tudo o que realizamos constitui uma acção. Enquanto dormimos realizamos
muitas coisas: respiramos, suamos, damos voltas, apertamos a cabeça contra a
almofada, sonhamos, talvez ressonemos alto ou falemos em voz alta ou andemos
sonâmbulos pela casa. Todas estas coisas as realizamos inconscientemente, enquanto
dormimos. Realizamo-las mas não nos damos conta delas, não temos consciência de
que as realizamos. A estas coisas que fazemos inconscientemente não lhes vamos
chamar acções.
Vamos reservar o termo ‘acção’ para as coisas que
realizamos conscientemente, dando-nos conta de que as fazemos.
Há, no entanto, coisas que fazemos conscientemente,
dando-nos conta delas, mas sem que à sua realização corresponda uma intenção
nossa. Damo-nos conta dos nossos ‘tiques’ e de muitos dos nossos actos
reflexos, mas realizamo-los involuntariamente, constatamo-los como
espectadores, não os efectuamos como agentes. (A palavra ‘agente’ é outra das
palavras derivadas do verbo latino agere.)
Por algo que sentimos depois de comer damo-nos conta de que estamos a fazer a
digestão. Mas fazer a digestão não constitui (normalmente) uma acção. Pelos
sorrisos dos que nos observam damo-nos conta de que estamos a ser ridículos.
Mas ser ridículo (praticar actos ridículos) não é uma acção, mas uma reacção,
algo que nos passa despercebido e que lamentamos (a não ser que o façamos de
propósito, como provocação; neste caso já seria uma acção). Também não chamamos
acção a esses aspectos da nossa conduta de que nos damos conta, mas que não
efectuamos intencionalmente.
No presente estudo limitar-nos-emos às acções
humanas conscientes e voluntárias, às que daqui em diante chamaremos acções
(sem mais). Uma acção é uma interferência consciente e voluntária de um homem
ou de uma mulher (o agente) no normal decurso das coisas, que sem a sua
interferência haveriam seguido um caminho distinto do que por causa da acção
seguiram. Uma acção consta, pois, de um evento que sucede graças à
interferência de um agente e de um agente que tinha a intenção de interferir
para conseguir que tal evento sucedesse."
MOSTERÍN. Racionalidad y Acción Humana
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