domingo, 28 de junho de 2009

Da necessidade da argumentação

Isaque Manuel Nunes Tomé

2. A necessidade da argumentação
2.1. Razões e propósito da argumentação
Sendo certo que a lógica formal trata da validade do argumento, não trata de saber se a verdade suposta nas premissas é real ou se a verdade diz respeito a esta ou aquela teoria da verdade. Ou seja, se num raciocínio dedutivo supondo a verdade das premissas garantimos a verdade da conclusão, tal não implica a real verdade das premissas. Assim, quando a lógica formal afirma que a verdade é necessária para estabelecer a validade do próprio argumento, a verdade é uma verdade suposta. À lógica não interessa a questão da verdade, em si, das proposições – veja-se o anexo que mostra o raciocínio dedutivo a partir de premissas falsas, ou pelo menos discutíveis.
Existem domínios em que a verdade das proposições é de difícil estabelecimento, não é consensual, ou é até impossível de atingir, dada as características das proposições que remetem para modos de vida e cosmovisões.
A argumentação ocorre quando o conhecimento não é do domínio do absoluto e do verdadeiro. Ocorre quando existe incerteza, dúvida, prós e contras determinada tese. Ocorre sobretudo quando toca o domínio das decisões humanas que remetem para visões do mundo particulares, hierarquias de valores variáveis. Nas palavras de Olivier Reboul a argumentação “não se exerce senão nas situações de incerteza e de conflito, onde a verdade não está dada e não será atingida senão sob a forma do verosímil”.
Pelo contrário, numa demonstração dedutiva os axiomas não estão em discussão; sejam eles considerados como evidentes, como verdadeiros ou como simples hipóteses, não há qualquer preocupação em saber se eles são, ou não, aceites pelo auditório.

Pelo já dito, infere-se que há duas dimensões que escapam à validade e à lógica formal, 1.ª, a aceitabilidade da conclusão nos raciocínios não dedutivos e, 2.ª, a dimensão do conteúdo ou matéria das proposições.
A lógica informal procura, assim, dar conta destas duas dimensões onde
a) o ponto de partida são proposições discutíveis, onde existe incerteza e a aceitação do ponto de partida é a aceitação da proposição pelo valor que lhe é reconhecida (verdade ou qualquer outro);
b) as razões apresentadas para conduzir à aceitação desse ponto de partida não são constringentes – podendo o auditório não aceitar o ponto de partida mesmo aceitando o argumento.

Basicamente existe argumentação porque é preciso convencer alguém da verdade ou da razoabilidade de uma proposição, de tal maneira a que a ela adira. A argumentação ocorre no domínio do humano, no domínio em que os valores e as hierarquias axiológicas interferem nas decisões, no mundo em que a verdade de uma proposição pode não ser razão ou condição suficiente para que a ela se adira. Em última instância a argumentação visa a adesão do auditório. Convém não esquecer que os grandes problemas da decisão política, económica, social e ética dos homens e da humanidade concentram a sua resolução neste tipo de lógica.

Assim, enquanto a lógica formal pode ser garantir a validade e suportar uma verdade da conclusão, a lógica informal ajuda-nos num contexto mais complexo – porque ambíguo e variável em função das subjectividades em jogo – num contexto em que a verdade é um critério entre outros e onde o próprio critério de verdade está, muitas vezes, em discussão. A argumentação ocorre no domínio em que o homem deixa a verdade intersubjectivamente reconhecida e deixa o domínio de culturas fechadas que estabelecem uma tabela de valores e uma matriz de decisão simples e universal - o que ocorre em sociedades fechadas. Pelo contrário a sociedade em que vivemos é aberta, complexa, diversa e com tabelas de valores, referentes variáveis, processos de escolha complexos e múltiplos, daí a necessidade de ultrapassar a indecisão e a subjectividade, possível pelo espaço discursivo argumentativo.

2.2. A verdade, um entre muitos critérios de adesão
A adesão, tal como concebida por Perelman, é uma tarefa a desenvolver no auditório porque a verdade, como valor de verdade, a existir na proposição, é um critério que pode não ser suficiente para que o sujeito a ele adira. A adesão no domínio argumentativo não é uma mera adesão à verdade como no domínio meramente gnoseológico.
As razões para admitir ou rejeitar uma tese podem ser diversas. A verdade ou falsidade desta constituem unicamente um motivo de adesão ou de rejeição no meio de tantos outros: uma tese pode ser admitida ou afastada porque é ou não oportuna, socialmente útil, justa e equilibrada. Dito de outra forma, o auditório avalia as teses do orador tendo em conta diversos critérios. É neste sentido que falamos de pluralidade de critérios: os vários auditórios consoante o seu contexto têm diferentes critérios valorativos, e dentro de um mesmo auditório as pessoas que o compõem podem ter pontos de vista e escalas valorativas diferentes.

2.3. A adaptação do discurso ao auditório
Por esta razão, o orador, antes de iniciar o seu discurso, deve ter do seu auditório uma ideia tanto quanto possível próxima da realidade, uma vez que um erro sobre este ponto pode ser fatal para o efeito que ele quer produzir; é em função do auditório que toda a argumentação se deve organizar, se esta quiser ser eficaz. Assim é indispensável ao orador conhecer o auditório sobre o qual quer exercer a acção. O orador que queira agir eficazmente pelo seu discurso deve adaptar-se ao seu auditório. Em que consiste esta adaptação? Essencialmente, em o orador só poder escolher, como ponto de partida do seu raciocínio, teses admitidas por aqueles a que se dirige.
Ou seja, a contingência e a verosimilitude dos conhecimentos e teses defendidos na argumentação, bem como o facto desta se desenvolver num contexto particular e num domínio pessoal (onde têm influência as características individuais do orador e as características do auditório), faz com que o orador tenha de adaptar o seu discurso ao auditório (ás suas características intelectuais, socioprofissionais e culturais e outras). A adaptação da argumentação ao auditório visa não só que os argumentos sejam entendíveis, mas sobretudo que “joguem” (vão ao encontro) dos critérios valorativos do auditório, de forma a que se estabeleça uma ponte comunicacional e se facilite o acordo prévio (teses ou pontos de partida sobre os quais todos estão de acordo e que possibilita o diálogo e o confronto argumnetativo).
Com efeito, a finalidade da argumentação é transferir para as conclusões a adesão que é concedida às premissas. O orador só poderá partir de premissas que beneficiem de uma adesão suficiente: se esta adesão não for forte, a primeira preocupação daquele que quer persuadir deve ser a de a reforçar por todos os meios. Adaptar-se ao auditório é, sobretudo, escolher como premissas da argumentação as teses admitidas por este último.
É também de referir que o auditório tem legitimidade de contestação e tem o poder de utilizar a sua capacidade critica, assegurando uma relação horizontal entre orador e auditório. Ambos têm legitimidade e a ambos é reconhecida competência. Por ultimo deve atender-se que a argumentação se desenrola numa língua natural cuja ambiguidade não se encontra previamente excluída.

3. A necessidade da lógica informal
Em face da necessidade de usarmos a argumentação e em virtude desta ir além da dimensão formal e dedutiva dos argumentos – patente na demonstração, bem como pela natureza pouco circunscrita dos argumentos indutivos, é necessário conhecer e legitimar essa tipologia de argumentos não dedutivos. Aliás, o mundo actual, onde a comunicação impera sobre a mensagem, onde o oral se sobrepõe ao escrito e onde a imagem se sobrepõe à palavra, a argumentação se faz por gestos, subentendidos, e com grande suporte visual, quer nos casos de decisão com alcance pessoal - como é o caso da publicidade, quer na decisão com alcance colectivo – o domínio da propaganda, é imperativo práxico e político que na formação do cidadão esteja o conhecimento dos mecanismos de argumentação falaciosa.
A teoria da argumentação, designadamente a de Perelman , que abrange uma lógica informal, estuda:
a) as condições de aceitabilidade de uma argumentação, estuda as condições que tornam um discurso argumentativo um discurso convincente ou persuasivo.
b) os erros de raciocínio que tornam um argumento incorrecto ou inválido do ponto de vista da lógica informal: as falácias informais.

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