sábado, 18 de junho de 2016

Arte contemporânea

Vamos caminhar sobre as águas com a ajuda de Christo

autoria Stefano Rellandini/Reuters           // data 16/06/2016 - 14:32



Christo e Jeanne-Claude — o casal usa os dois nomes juntos desde 1994 — estão a alterar a paisagem do Lago Iseo, em Itália. Depois de terem embrulhado monumentos e vales, de terem rodeado ilhas e tapado caminhos e vedações, os artistas decidiram voltar a Itália, onde não "embrulhavam" há cerca de 40 anos. "The Floating Piers" (o cais flutuante) consiste na colocação de 70 mil metros quadrados de tecido amarelo brilhante, esquema que estará assente numa doca flutuante modular de 200 mil cubos de polietileno de alta densidade e que deverá ondular com o movimento da água. Durante 16 dias, os visitantes poderão caminhar sobre esta obra de arte de três quilómetros, desde Sulzano até Monte Isola, passando pela Ilha de San Paolo. As montanhas que cercam o lago oferecem uma visão panorâmica de "The Floating Piers", expondo ângulos despercebidos e alterando perspectivas. Após a exposição, todos os componentes serão removidos e reciclados industrialmente.


Medicina e ética


http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-06-18-Uma-facanha-extraordinaria-como-a-etica-fez-nascer-o-bebe-esperanca-1

A vida é um bem a ser cuidado. A morte é um instrumento para chegar à vida. E a ética tem de servir para ligar a morte e a vida. Foi assim, que, numa manhã de segunda-feira, decidiu-se prolongar a morte de uma mãe para fazer nascer um filho que ela nunca veria. Nem o médico que o salvou. Nem viu, nem vai ver, porque a ética não pode depender da espuma das emoções. É de outro patamar, do distante. A palavra ao pediatra que salvou o bebé que comove Portugal
Um homem não se separa da circunstância e Gonçalo Cordeiro Ferreira é, antes do mais, um pediatra. É o médico das crianças. É também diretor do Hospital D. Estefânia e presidente da comissão de ética do Centro Hospitalar de Lisboa Central. Naquela sexta-feira, 19 de fevereiro deste ano, quando uma mulher grávida e em coma deu entrada no hospital de S. José, em Lisboa, ele ainda era o vice-presidente do organismo que tomaria uma decisão que entrou para a história da medicina portuguesa e cravou a sua marca na literatura clínica mundial.
Subscreveu a “decisão pró-vida”, uma opção em prol da sobrevivência de um feto de 17 semanas totalmente dependente do corpo de uma mãe que já morrera em consequência de uma hemorragia cerebral. Gonçalo Cordeiro Ferreira nunca viu aquela mulher. Nunca olhou para uma fotografia daquela criança. Um homem que não acredita em milagres, mas que defende a esperança.
Como é que tudo começou?
A 21 de fevereiro, sábado, a comissão de ética encontrava-se em reestruturação porque o anterior presidente, dr. António Santos Castro, estava em vias de se aposentar e ainda não tinha sido nomeada formalmente uma nova comissão. Fui contactado pelo diretor clínico do serviço de Neurocríticos do Hospital de S. José e informado de que havia uma senhora em morte cerebral, grávida, e que a primeira avaliação do bebé mostrava que era um feto que tinha todo o comportamento ecográfico e biomédico bem, assim como a placenta. Não havia lesões visíveis. Era um feto de 17 semanas que, se fosse retirado de dentro da mãe, não teria nenhuma viabilidade. E havia a necessidade de saber o que se iria fazer com esta senhora, que era mantida em suporte de vida. A ‘velha’ comissão de ética reuniu-se então no dia seguinte. Entretanto, informamo-nos do que se passava e recolhemos informação sobre uma situação bastante insólita e rara. Depois de um debate de algumas horas, elaboramos, por unanimidade, um parecer que foi enviado ao conselho de administração.
O que dizia o parecer?
Em primeiro lugar, que se tratava de um feto de 17 semanas que não pode sobreviver fora da barriga da mãe. De uma mãe que tinha reiteradamente afirmado que queria manter a gravidez, apesar de ter uma doença. Em segundo lugar, foi uma decisão classificada ‘pró-vida’ que nos fez decidir pelo feto. Porque se uma pessoa em morte cerebral é mantida viva em nome de um milagre, é claramente um processo de futilidade terapêutica, porque sabemos que não terá qualquer recuperação. A consulta da literatura mostrou que, embora não haja muitos casos, é possível ter sucesso em casos como este. Até às dez semanas, o feto fica à disposição da mãe, que pode decidir ou não o prosseguimento da gravidez. A partir daí, só pode interrompê-la se houver malformações ou perigo para a saúde da mãe reconhecido por uma comissão científica. O terceiro ponto pedia que o feto fosse monitorizado constantemente para detetar quaisquer indícios de que o momento do acidente cerebral que custou a vida à mãe pudesse ter afetado o bebé e que este pudesse desenvolver malformações. Finalmente, também se sublinhava que o caso tinha de ser entregue ao Ministério Público, que poderia ter de tomar uma medida cautelar em relação ao feto.
Tinham alternativas do ponto de vista legal?
Existe aqui um grande vazio legal. Para todos os efeitos, esta senhora tinha um óbito declarado. O problema é que o feto não tem personalidade jurídica.
Esse argumento não foi invocado?
Não, o bebé foi considerado um bem jurídico. A vida é um bem e era uma vida que já estava além do período em que poderia ser disposta pela mãe. Não temos muitas opções. É evidente que havia risco. Daí a continuada monitorização do feto para perceber se surgiam anomalias incompatíveis com uma vida em qualidade. Imaginemos que a mãe desenvolvia uma infeção e o bebé morria. O que se tinha perdido? Tempo, a utilização de uma máquina. A colheita de órgãos só poderia ser feita se houvesse condições. Há sempre que equilibrar o certo e o incerto e o certo era aquela vida. Não foi um aventureirismo.
Não foi inédito?
Em Portugal foi, e em termos mundiais não é muito frequente, só há uma referência na Arábia Saudita, onde o bebé nasceu uma semana antes deste.
Foi uma experiência médica?
A comissão de ética não se baseia nesses raciocínios. É uma terapêutica experimental, o que não quer dizer que seja uma experiência, porque se houvesse deteção de anomalias poderia invocar-se a interrupção da gravidez por motivos de malformações fetais. Esta salvaguarda estava assegurada.
Então porquê pedir a intervenção do Ministério Público (MP)?
As informações que tínhamos na altura eram escassas em relação à família, que estava em choque e sabíamos pela equipa médica que tratava da mãe, que a relação com o pai era recente, não sabíamos se era estruturada. Perante a possibilidade de haver uma contradição com a opinião da família, o que se decidiu - e esta é a decisão que reputo mais ousada - foi equiparar este feto a um menor em risco e dar disso conhecimento ao MP. A fundamentação é de que quem protege o feto é a mãe e esta mãe está morta, não pode proteger o seu bebé. Mas também a equipa médica precisava de uma tutela superior, que teria de ser o Estado, se não houvesse acordo com a família. Daí ter-se dito ao MP que não se trataria de uma personalidade jurídica mas de um bem jurídico. Uma vida que não está protegida. Entretanto, a família mostrou ter vontade que a gravidez fosse para frente, mesmo sendo uma situação muito complicada.
A família não deveria ter assinado um consentimento informado?
Não concordo, porque a senhora estava morta. E o bebé não é propriedade de ninguém. Está tutelado pela família enquanto menor e pode ser retirado da família se esta não exercer corretamente a sua missão. O feto não é do pai. Seria da mãe, com reservas até às dez semanas. Felizmente, todos concordaram, mas mesmo que não o tivessem feito, a gravidez poderia continuar.
Esta decisão é única?
Vou falar transcendendo o papel na comissão de ética, porque sou pediatra e uma pessoa não se pode desligar da sua condição. Este caso foi uma façanha extraordinária. A equipa de neurocríticos fez um trabalho tecnicamente perfeito, em condições muito complicadas, sem experiência. Compreendo que esta seja uma decisão muito complicada, porque as equipas médicas lutam para salvar vidas e não para manter mortos. E neste caso só lutaram para manter esta morta em situação de vida temporária porque sabiam que estava lá uma vida a crescer. Só fazia sentido se o bebé nascesse bem. Se não tem acontecido, teria sido uma enorme deceção. Uma sensação de tempo gasto porque o que aconteceu foi ao arrepio da prática médica. Ficaram muito aliviados quando viram o até então invisível bebé. Foi fantástico. Foi possível manter o bebé com o que ele necessitava para crescer, mas havia coisas que faltavam. Acordar, dormir, estar dentro de casa, comer e estar em jejum, estados emocionais que não se transmitem, mas são modulados pela libertação de hormonas que ali não havia. E há a fala, a música, que os bebés ouvem na barriga da mãe. Neste caso isso não existiu, com que consequências, não sabemos. Mas a equipa, sobretudo de enfermagem, fez um papel de comaternidade.
Sem nenhum protocolo?
Sem nenhum protocolo. Primeiro porque isso não vem nos manuais técnicos. Iam ao quarto, falavam com o bebé, levavam música, faziam festinhas na barriga da mãe. Mostra-nos que a maternidade não é uma ação individual, é de toda uma comunidade. Aqui, começou na fase pré-natal. A ética repousa nos bons princípios do homem como animal social. E essa equipa mostra isso, na vontade de o homem fazer bem ao seu semelhante.
Nunca se arrependeu da decisão? 
Nunca.
Fica aborrecido quando chamam à criança “bebé-milagre”?
Não há milagres, mas que o bebé é um grande marco, é. Preferia chamar-lhe bebé-esperança. Foi fruto de uma esperança que não foi aventureira, foi baseada em indicações concretas.
Alguma vez foi visitar a mãe?
Não.
Visitou o bebé?
Não.
Vai?
Não.
Porquê?
A comissão de ética precisa de estar distante do que é esta espuma das emoções. Tem de estar noutro patamar, em que as deliberações têm de ser mais tranquilas apesar da urgência da situação.
Ele não vai ser seu doente?
Não.