terça-feira, 23 de julho de 2013

O que é a ética? - resposta de Peter Singer

O que a ética é: uma perspectiva
O que se segue é um esboço de uma perspectiva da ética que concede à razão um papel importante nas decisões éticas. Não se trata da única perspectiva possível da ética mas é uma perspectiva plausível. Mais uma vez, porém, terei de passar por alto reservas e objecções merecedoras de um capítulo próprio. A quem pensar que estas objecções não discutidas invalidam a posição que defendo apenas posso dizer, de novo, que todo este capítulo pode ser tratado como nada mais do que um enunciado dos pressupostos em que este livro se baseia. Desse modo, contribuirá pelo menos para dar uma imagem mais clara da forma como encaro a ética.
O que significa emitir um juízo moral, discutir uma questão ética ou viver de acordo com padrões éticos? Como diferem os juízos morais de outros juízos práticos? Por que razão achamos que a decisão de uma mulher de fazer um aborto levanta uma questão ética, o mesmo não acontecendo com a sua decisão de mudar de emprego? Qual é a diferença entre uma pessoa que vive de acordo com padrões éticos e outra que não procede assim?
Todas estas questões estão relacionadas, pelo que basta considerar uma delas; mas, para isso, precisamos de dizer algo acerca da natureza da ética. Suponhamos que estudámos a vida de diversas pessoas e que sabemos muita coisa no que respeita ao que fazem, àquilo em que acreditam, etc. Será que podemos, nesse caso, determinar quais as que vivem de acordo com padrões éticos e quais as que não o fazem?
Poderíamos pensar que a forma de proceder, neste caso, é identificar quem pensa que mentir, enganar, roubar, etc., é um mal, e não faz tais coisas, por um lado, e quem assim não pensa, não se coibindo de fazer tais coisas, por outro. Então, as pessoas pertencentes ao primeiro grupo viveriam de acordo com padrões éticos e os do segundo não. Mas este modo de proceder assimila erradamente duas distinções: a primeira é a distinção entre viver de acordo com aquilo (que nós pensamos) que são os padrões éticos correctos e viver de acordo com aquilo (que nós pensamos) que são os padrões éticos errados; a segunda é a distinção entre viver de acordo com alguns padrões éticos e de acordo com nenhuns padrões éticos. Quem mente e engana mas não pensa que o que faz é um mal, pode estar a viver de acordo com padrões éticos. Pode pensar, por um motivo qualquer, que mentir, enganar, roubar, etc., é um bem. Não vive de acordo com padrões éticos comuns, mas pode viver segundo outros padrões éticos.
A primeira tentativa para distinguir o ético do não ético redundou num erro, mas podemos aprender com os nossos erros. Chegámos à conclusão que temos de conceder que quem segue convicções éticas não convencionais vive, mesmo assim, de acordo com padrões éticos, se pensar, por qualquer motivo, que o que faz é um bem. A condição a itálico dá-nos uma pista para a resposta que procuramos. A noção de viver de acordo com padrões éticos está ligada à noção da defesa da forma como se vive, de dar uma razão para tal, de a justificar. Assim, uma pessoa pode fazer todo o tipo de coisas que consideramos um mal e, mesmo assim, continuar a viver de acordo com padrões éticos, se for capaz de defender e justificar o que faz. Podemos achar a justificação pouco adequada e continuar a pensar que as acções são um mal, mas a tentativa de justificação, bem sucedida ou não, é suficiente para trazer o comportamento dessa pessoa para o domínio do ético, em oposição ao não ético. Quando, por outro lado, uma pessoa não consegue encontrar uma justificação para aquilo que faz, podemos rejeitar a sua pretensão de que vive de acordo com padrões éticos, mesmo que aquilo que faz respeite princípios morais convencionais.
Podemos ir mais longe. Se aceitarmos que uma determinada pessoa vive de acordo com padrões éticos, a justificação deve ser de determinado tipo. Uma justificação exclusivamente em termos de interesse pessoal, por exemplo, não serve. Quando Macbeth, contemplando o assassínio de Duncan, admite que apenas a «ambição desmedida» o leva cometê-lo, está a admitir que a acção não pode justificar-se eticamente. «Para eu poder ser Rei em seu lugar» não é uma tentativa frágil de justificação ética para o assassínio, não é o tipo de razão que conta como justificação ética. É necessário mostrar que as acções motivadas pelo interesse pessoal são compatíveis com princípios éticos de base mais ampla para serem defensáveis, porque a noção de ética traz consigo a ideia de algo mais vasto do que o individual. Se eu quiser defender o meu comportamento com fundamentos éticos, não posso assinalar apenas os benefícios que tal comportamento me traz. Tenho de me preocupar com um grupo mais vasto.
Desde a antiguidade que os filósofos e os moralistas têm expresso a ideia de que o comportamento ético é aceitável de um ponto de vista que é, de alguma forma, universal. A «regra de ouro» atribuída a Moisés, que se encontra no livro do Levítico e foi subsequentemente repetida por Jesus, diz que devemos ir para além do nosso interesse pessoal e «amar o nosso semelhante como a nós mesmos» ou, por outras palavras, atribuir aos interesses alheios a mesma importância que damos aos nossos próprios interesses. A ideia de nos pormos no lugar dos outros está associada à outra formulação cristã do mandamento, segundo a qual devemos fazer aos outros aquilo que gostaríamos que eles nos fizessem a nós. Os estóicos defendiam que a ética decorre de uma lei natural universal. Kant desenvolveu esta ideia na sua famosa fórmula: «Age apenas segundo as máximas que possas ao mesmo tempo querer que se tornem leis universais.» A teoria de Kant, por sua vez, foi modificada e desenvolvida por R. M. Hare, que vê a universalizabilidade como uma característica lógica dos juízos morais. Hutcheson, Hume e Adam Smith, filósofos ingleses do século xviii, apelaram para um «espectador imparcial» imaginário como pedra de toque do juízo moral; a sua versão moderna é a teoria do observador ideal. Os utilitaristas, de Jeremy Bentham a J. J. Smart, consideram axiomático que, ao decidir sobre questões morais, «cada qual vale por um e ninguém por mais de um», enquanto John Rawls, um importante crítico contemporâneo do utilitarismo, incorpora essencialmente o mesmo axioma na sua própria teoria, deduzindo princípios éticos fundamentais de uma escolha imaginária na qual aqueles que escolhem não sabem se serão beneficiados ou prejudicados pelos princípios que escolhem. Até mesmo filósofos do continente europeu, como o existencialista Jean-Paul Sartre e o especialista em teoria crítica Jürgen Habermas, que diferem em muitos aspectos dos seus colegas de expressão inglesa — e também entre si —, concordam que, em certo sentido, a ética é universal.
Poderíamos argumentar interminavelmente sobre os méritos de cada uma destas caracterizações da ética; mas o que têm em comum é mais importante do que as suas diferenças. Todas concordam que não se pode justificar um princípio ético relativamente a qualquer grupo parcial ou local. A ética adopta um ponto de vista universal. Não quer isto dizer que um determinado juízo ético tenha de possuir aplicação universal. Como vimos, as circunstâncias alteram as causas. Significa, isso sim, que, quando fazemos juízos éticos, vamos para além de preferências e aversões. De um ponto de vista ético, é irrelevante o facto de ser eu o beneficiário de, digamos, uma distribuição mais equilibrada do rendimento e outra pessoa a prejudicada. A ética exige que nos abstraiamos do «eu» e do «tu» e que cheguemos à lei universal, ao juízo universalizável, ao ponto de vista do espectador imparcial ou do observador ideal, ou o que lhe quisermos chamar.

Será que podemos usar este aspecto universal da ética para dele deduzir uma teoria ética que nos oriente sobre o bem e o mal? Os filósofos, dos estóicos a Hare e a Rawls, tentaram-no; mas nenhuma tentativa obteve aceitação geral. O problema é que, se descrevermos o aspecto universal da ética em termos simples e formais, um grande leque de teorias éticas, incluindo algumas totalmente irreconciliáveis, tornam-se compatíveis com esta noção de universalidade; 

Peter Singer Ética Prática. Lisboa, Gradiva

terça-feira, 16 de julho de 2013

A matemática é uma realidade psíquica ou uma realidade independente da mente?

Este problema é já velhinho, e é um problema filosófico.

Notícia do Diário de Notícias

A matemática existe no universo ou no cérebro?

por Lusa, publicado por Ana MeirelesHoje38 comentários

Cientistas estão a discutir se as propriedades das entidades abstratas, como números, figuras geométricas ou símbolos, e as suas relações, são uma propriedade do universo ou uma interpretação humana da realidade, segundo um artigo divulgado hoje.
O Instituto Kavli do Cérebro e da Mente, com sede em Oxnard (Califórnia, EUA), publicou as opiniões de neurocientistas que debatem se a matemática, que descreve e prognostica o que no rodeia os seres humanos, desde a estrutura helicoidal do ADN às espirais das galáxias, existe no universo ou é a forma com que a mente humana compreende o universo.
"Os números não são propriedades do universo, refletem sim o suporte biológico com o qual as pessoas compreendem o mundo", segundo o chileno Rafael Núnez, professor de ciência cognitiva da Universidade da Califórnia (San Diego).
O professor de neuropsicologia cognitiva da Universidade College de Londres, Brian Butterworth, que colabora com Núnez nesta investigação, defendeu que "os números não são, necessariamente, uma propriedade do universo, mas sim uma forma muito poderosa de descrever alguns aspetos do universo".

http://www.dn.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=3324852